"Foi o primeiro caso da história das colonizações em que um povo ameríndio inteiro, os cinquenta kaajapukugi remanescentes, pediu asilo político em outro país". A síntese do narrador de A Morte e o Meteoro, o novo e oportuno romance de Joca Reiners Terron, reflete o desejo de explorar o desconhecido.
Estamos em terreno distópico, a cada dia menos distante do noticiário. O enredo tem ponto de partida na suprema catástrofe ambiental: a destruição da Amazônia, reduzida a uma paisagem desértica com só algumas dezenas de hectares de árvores que logo se tornarão esculturas de cálcio devido ao calor e à escassez das chuvas.
O colapso amazônico é mais trágico para os kaajapukugi, povo que vive isolado à beira da extinção. Sem a floresta, perderam suas fontes de subsistência, plantas medicinais e o timbó que atordoa os peixes na pescaria (a propósito, os rios secaram). O besouro com que preparavam o tinsáanhán, a substância sagrada da tribo, também foi extinto. Sem o inseto, perderão acesso até mesmo a seus deuses e seu mundo espiritual.
Não está fácil para os kaajapukugi. Sofrem ameaças do Estado e de seus "agentes de extermínio", entre eles garimpeiros, madeireiros e latifundiários. Soa familiar? Sua última esperança recai sobre o velho indigenista Boaventura, um alegórico ativista humanitário com reputação de maior especialista na tribo e seu único elo com o mundo exterior. A pedido dos índios, ele é nomeado por uma ONG de auxílio a refugiados para encontrar o novo lar dos kaajapukugi.
Quem descreve o fim do paraíso indígena e a busca de Boaventura é um antropólogo mexicano frustrado com o trabalho burocrático na reserva da serra de Huautla, em Oaxaca. A região foi escolhida após o México aceitar o pedido de asilo dos índios brasileiros. O mexicano recebe a missão de acolher os kaajapukugi. Solteirão e sem perspectiva de casar ou ter filhos, enfrenta um surto de solidão após a morte dos pais — um personagem, portanto, à procura de sentido para a própria existência.
A misteriosa morte de Boaventura, na iminência do embarque dos índios, põe nas mãos do antropólogo o destino dos kaajapukugi. Ele abraça a tarefa enquanto busca desvendar o óbito do indigenista e a presença de um estranho entre os hóspedes da Amazônia.
O ponto de virada está em um vídeo-testamento enviado por Boaventura antes de morrer. Em um diário de suas grandes aventuras na selva, revelações macabras surgem quando o mexicano reproduz o relato do morto, em um jogo de espelhos narrativo no qual as duas vozes se sobrepõem e se completam.
Boaventura faz uma confissão. Diz ter cometido um "crime de lesa-humanidade". Movido pelo desejo de conhecer rituais e crenças kaajapukugi, uma manifestação de vaidade intelectual em um jovem aventureiro com sede de fama, praticou atos brutais em seu contato inicial com os índios. Aos poucos, revela que dedicou a carreira a reparar essas ações, que décadas depois teriam consequências para o desaparecimento da tribo.
Uma subtrama acontece em paralelo: uma missão espacial chinesa viaja a Marte. Ela dá sobrevida ao quebra-cabeça, que nunca ficará completo.
Joca Reiners Terron ama o mistério, o que em parte explica sua restrição à história linear, à voz narrativa unitária e à etiqueta realista. Nos seus primeiros livros, isso resultou em obras bastante fragmentárias. No extremo, em metaliteratura que só tinha graça para o leitor com conhecimentos prévios ou no desfile de esquisitices de filme B, em que a busca do incomum se confundia com a coleta de personagens e enredos divertidamente bizarros, mas superficiais.
Um grande trunfo de A Morte e o Meteoro é limitar variações formais e usá-las a serviço da história, o que valoriza o poder de imaginação do escritor. Na esteira do excepcional "Noite Dentro da Noite", seu romance anterior, há experimentação, não experimentalismo.
O outro trunfo é expor que nas boas intenções humanitárias há também interesses pessoais. E em maior ou menor grau, a mínima interferência corrompe uma civilização e pode resultar na sua extinção.
O apocalipse não espreita só os índios. A Morte e o Meteoro nos conduz ao fim do mundo, mas ao menos na crença kaajapukugi, não ao fim de tudo. O último capítulo transcreve um diálogo de Alphaville, a ficção científica noir do diretor Jean-Luc Godard, na qual o agente americano Lemmy Caution é enviado a uma cidade nos confins do espaço para salvá-la do computador Alpha 60. Resta esperar que agora os chineses de Marte salvem a espécie humana.
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