A verdade é que os dias no hospital não fizeram nada bem ao Michel. Ele agora sente calores, cansaços e uma necessidade permanente de desabotoar o colarinho e respirar fundo, de um jeito lento e penoso que lembra uma tartaruga ofegante por causa da maneira como inclina a cabeça para trás e estica o pescoço toda vez que precisarecuperar o fôlego. Faz isso de preferência sentado, porque é mesmo uma recomendação médica permanecer o maior tempo possível em repouso. Mas os compromissos, viagens e solenidades exigem que ele às vezes se locomova ou fique intermináveis minutos de pé. Então a cena da cabeça erguida para trás com o pescoço curto espichado para fora do casco formado pelas golas altas não se repete somente no escritório de casa, no gabinete presidencial ou nos corredores e salões do palácio. Eu fico angustiada só de pensar no instante em que, no meio das entrevistas e dos discursos, o Michel enfia o dedo na linha que separa o pescoço da gola da camisa e estica discretamente o colarinho para frente, deixando o pescoço um pouco menos apertado. Eu sei que ele sofre, mas nem sonho em sugerir camisas de colarinho curto. O Michel tem um estilo.
Já que se recuperou bem da cirurgia e não precisa mais carregar aquele saco nojento de urina amarrado na perna, ele quis retomar a rotina de reuniões com assessores e as audiências com outros políticos. Mas não consegue disfarçar quando sente alguma dor ou falta de ar. Fica indisposto e se cala, quem sabe murmurando para si mesmo palavras que carreguem a raiva que (eu sei) ele sente por não ter mais tanta vitalidade. Foi durante uma dessas crises que eu entrei no escritório para avisar que o jantar estava servido. O Michel estava sentado no sofá com as costas inclinadas para trás, a cabeça apoiada no encosto, os olhos fixados no teto branco e a barriga estufada inflando e desinflando, como uma bexiga de festa infantil que muda de tamanho quando alguém sopra e engole o mesmo ar repetidas vezes.
Ao lado dele e na poltrona da frente, com suas respectivas caras de pastel, se olhavam o Moreira e o Eliseu. Esses dois vivem entre nós, apesar de não serem de casa. São como gatos de rua que sempre aparecem quando o instinto lhes indica onde podem conseguir um almoço grátis, mais frequentemente um banquete. Quando ficam satisfeitos, desaparecem. Talvez por causa dessa intimidade involuntária, não me importei com a presença dos dois e perguntei ao Michel se estava tudo bem. Sem me dirigir o olhar, ele respondeu erguendo uma mão com o polegar apontado para cima. Aprendi logo no início do nosso casamento quando não devia insistir em um assunto, então apenas falei que a mesa estava posta. O Michel então esticou os dedos dobrados e balançou devagar, para frente e para trás, a mão agora espalmada. Ele já iria, só precisava de um minuto.
Naquela noite não ordenei nada além do trivial para as meninas da cozinha. Salada de folhas, filé ao molho madeira, arroz e batata frita. Era véspera de fim de semana e imaginei que àquela hora, passadas as dez da noite, já estaríamos deitados. Na melhor hipótese, escolhendo algo interessante para ver no Netflix. Como sou ingênua! Eu devia saber que o Moreira e o Eliseu não tinham nada para fazer em suas casas e iriam preferir passar a noite falando de política. O jantar seria só o intervalo, pensei.
Assim que todos terminaram de comer, o Michel pediu licença para ir ao banheiro. De barriga cheia, os dois carrapatos aproveitaram a deixa e concordaram em rastejar de volta ao escritório. Levantaram e repetiram os elogios de sempre. “Marcela, tudo estava divino!”, disse o Eliseu antes de fazer com a boca aquele biquinho que só desaparece após ser tocado pelas pontas dos dedos. O Moreira é menos expansivo, não se exalta. Fala coisas do tipo “Eu me surpreendo com a capacidade dessa menina tão nova ter sempre tudo sob controle na vida do presidente”. Pode parecer o jeito dele de mostrar que te admira, mas no fundo ele só está querendo dizer que é difícil ser surpreendido.
“Merda”, deixei escapar baixinho quando me deixaram sozinha na sala, imaginando que seria bom poder chutar aquelas duas bundas moles pela porta da rua. Depois de uma semana cheia é demais pedir uma noite sossegada com seu marido? Eu já estava acostumada com a ideia de ir dormir só, enquanto o Michel seria obrigado a entrar pela madrugada porque os dois carrapatos não se tocavam de deixá-lo um pouco em paz. Foi quando ouvi gargalhadas histéricas vindas do escritório. Logo em seguida ouvi um urro. Corri meio estabanada, sem conseguir imaginar o que poderia ter acontecido. Abri a porta sem bater e assim que entrei vi os dois, o Moreira e o Eliseu, rugindo alegremente feito gorilas que tinham acabado de entender uma piada. Apontavam para o Michel, que recostado numa poltrona parecia ter subitamente despertado de um cochilo e ainda não tinha percebido a frente da sua calça de linho estufada por uma arrebatadora ereção.
Gritei como se tivesse acabado de levar o maior susto da minha vida. Só então os três perceberam minha presença. “Marcela!”, gritou de volta o Eliseu, e o Moreira, ainda aos risos, emendou um “Assuma o controle!”. Que cu de boi. Dava para ver na cara do Michel como ele estava envergonhado.Acho que ele só disse alguma coisa do tipo “Os senhores me deem licença”, tentando controlar uma repentina gagueira, e desapareceu sem dar boa noite. Controlando as últimas risadas, o Moreira falou que já estava tarde. O Eliseu entendeu o recado. Até pensei em pedir desculpas aos dois, mas depois de ouvir o primeiro “Até breve”, me convenci de que o melhor era apenas dizer “Até.”
Quando cheguei no quarto, também não sabia o que dizer ao Michel. Ele estava sentado na cama, cabisbaixo e em silêncio. Me aproximei e fiz um carinho em seus cabelos, ensaiando aquele tipo de discurso apropriado a situações constrangedoras porque suspende o mal-estar com a promessa de que ainda vamos rir do vexame. Mas o Michel não estava constrangido, muito menos preocupado. Ele se levantou e colocou as mãos nos meus ombros. Na maior tranquilidade, começou a explicar que não imaginava ainda ter assuntos com o Moreira e o Eliseu depois do jantar. Então foi ao banheiro assim que terminou de comer, certo de que iria em seguida despachar os seus escudeiros, e tomou um Viagra. Mas os velhos amigos, continuou o Michel, às vezes abusam da intimidade que conquistaram e acabam virando uns folgados. “O que aconteceu depois, e você pôde atestar, é culpa da medicina”, ele terminou a história como se fosse uma simples anedota. Rimos juntos. O Michel não perde o estilo.
De frente para mim, alisando meus ombros pelos buracos das mangas curtas do meu vestido, ele continuava ereto. Então ficou calado e sorriu, olhando nos meus olhos. Com certeza percebeu que eu tinha desviado o olhar. Para mim sempre foi muito fácil notar quando uma pessoa se distrai com uma parte do meu corpo, mesmo por um segundo. Eu seria muito ingênua se acreditasse que o Michel, com o passado de namorador e a experiência que tem com outras mulheres, também não segue os meus movimentos. Ele tem plena consciência do que preciso. Não ignora quando homens mais jovens se aproximam achando que sou uma presa fácil por ser casada com um velho. Mas confia que nunca farei nada que lhe possa prejudicar. Nunca fiz mesmo. Não sou burra.
Por causa do problema de saúde dele, fazia meses que não tínhamos uma noite de sexo. Vou mentir se disser que esperava por isso, minha relação com o Michel envolve outras coisas. Só que naquela situação, como amiga e esposa, eu desejei dar a ele o que ele esperava da mim. Beijei seus lábios finos devagar, desabotoei sua calça e acariciei o seu pau com cuidado, para que continuasse duro. Tirei eu mesma o meu vestido, levando a mão desocupada até o zíper no alto das costas. Quando sentei na cama e fiz menção de me deitar, convidando ele para ficar por cima, o Michel me interrompeu. “Não”, ele disse levantando a voz. “Hoje quero te sodomizar”. Virei, me estiquei para pegar um travesseiro, fechei os olhos e tentei pensar em algo para relaxar. Imaginei uma praia, areia branquinha e coqueiros ao vento, eu deitada numa espreguiçadeira, cabelo preso, o sol esquentando minha nuca. Aí apareciam o Thor e o Picoly correndo das ondas. O Michel se esfregava nas minhas costas, a barriga apoiada na minha bunda, e bufava feito uma velha locomotiva. Tentei me concentrar na praia, ouvir o som do mar, mas os cachorros se chacoalhando para tirar água dos pelos não saíam da minha cabeça. Fofos! O Michel não conseguia se encaixar, parecia ficar impaciente.
“Calma”, eu falei. Segurei minha bunda com as duas mãos e afastei cada nádega para um lado. Ouvi um “Ohhhhh”. O Michel encontrou o caminho. Ele tremia, apoiava as mãos nas minhas costas e colocava todo o seu peso sobre o meu corpo. O estranho é que eu não sentia a mínima dor, nem nada dentro de mim. O Michel estava parado. Então afastou as mãos da minha cintura, engatinhou pela cama e deitou meio de lado. Mudou de posição bem devagar, ficando estirado de barriga para cima. Olhei para baixo e notei uma ameixa vermelha e seca. “Se eu pudesse, não continuaria”, o Michel falou antes de dormir.
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