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Ouvi uma pessoa dessas com quem cruzamos nossos caminhos dizer hoje que Agnès Varda não devia ser associada à nouvelle vague por não ter participado do seu núcleo original nem da formulação de suas propostas, como se a nouvelle vague tivesse dono ou o uso pioneiro da expressão nos Cahiers du Cinema fosse equivalente a um título de propriedade.
Talvez tenha virado uma tendência muito contemporânea essa de enxergar antagonismos onde quer que não haja identificação absoluta (a turma da jovem Agnès não era a mesma de Godard e Truffaut, mas o cinema que ela já fazia antes deles era exemplo e sem dúvida inspiração). Godard, por sinal, usou material de Varda até no recente Filme Socialismo. Sem autorização prévia, ele só a informou depois do filme pronto e ela simplesmente disse “ok, tudo bem”. É chato e redutor, para não dizer mesquinho e misógino no caso de quem a proíbe de ser nouvelle vague, esse hábito de semear rivalidades inclusive entre figuras que, no fim das contas, como seres humanos não passam de fotografias ou pôsteres na parede de quem, ridiculamente, delas se julga íntimo.
Ano passado, Agnès disse: “Eu gostaria de ser lembrada como uma cineasta que aproveitou a vida, incluindo a dor. Esse mundo é tão horrível, mas eu continuo com a ideia de que todo dia deve ser interessante. O que acontece nos meus dias – trabalhar, conhecer pessoas, ouvir – me convence que vale a pena estar viva”.
Agnès Varda continua viva, mas quem dela tirou por muitos anos o pioneirismo do cinema novo francês, morrerá.
P.S. Acima, foto que Rodrigo Sombra fez de Agnès há cinco anos em Berkeley, na Califórnia. Abaixo, o filminho Os Noivos da Ponte MacDonald, em que Agnès convenceu Godard a encarnar Buster Keaton (e a atuar sem óculos escuros).
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