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5.4.15   Crônicas sem castigo

Pastoral da juventude


Irmãos, em verdade vos digo: muito antes de dar em praia, almoço em família, futebol ou revista de jornal, o domingo era um dia santo. Ao menos até a era conhecida como anos 90, antes de pedir cachimbo o domingo obrigava milhões a acordar cedo, soltar um muxoxo e ir esquentar um banco de igreja. Ninguém me contou. Eu estava lá. E ainda sinto o gosto da hóstia.

Felizmente prevaleceu o cheiro da galinha cozida de vovó. Com outra avó recitando salmos na Igreja Batista, cheguei a ser mantido herege para evitar rusgas eclesiásticas. Deus interveio. E acabei batizado depois de um câncer de útero decidir a parada a favor do Vaticano. Contragolpe armado, aos onze anos me converti ao budismo para não mais ir à igreja. Prevendo que eu jamais meditaria um segundo, minha mãe não levou a sério e ofereceu uma vitória de Pirro: me liberava da missa das sete manhã se eu fosse à das cinco da tarde. Não dava sempre certo apelar à força maior do futebol na TV.

Enquanto eu capitulava, no altar um padre discursava sobre justiça social, num dos últimos suspiros da teologia da libertação. Isso atraía à igreja gente que não dava a mínima para Jesus, Maria ou José. A ideologia arregimenta, mas a política depende de um caldeirão em ebulição. E evapora. A religião é um enorme lago, onde sopra um vento cortante que vem de outro mundo. Por isso, em meio ao anticlericalismo, a beleza da liturgia me encanta. Tendo na estante o que Christopher Hitchens escreveu em Deus Não é Grande e Sam Harris em A Morte da Fé, não julgo que os crentes vivam num tipo de hipnose.

No fundo, o ateísmo racionalista parece com a militância política: limita. No pequeno ensaio travestido de biografia a que Paulo Leminski deu o genial título de Jesus a.C., uma profecia fala a fiéis e infiéis: “Mal-aventurados os que se rendem a verdades absolutas”. Ao buscar a semente do cristianismo entre beduínos, pastores e lunáticos do fim do mundo, o livro deságua na linguagem cifrada das parábolas. Leminski não vê em Jesus só um profeta, mas um superpoeta que fez uma revolução com palavras. Você pode odiar ir à igreja, não crer em Deus e ainda assim se comover com um filho de marceneiro que fulmina a realidade aparente e sugere a existência de um universo secreto quando diz: “Olhai os lírios do campo. Não trabalham nem tecem. E olha só como crescem.”

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Sobre

Um blogue não é mais uma blague. De agora em diante é uma página assombrada, uma ilusão encontrada, um roteiro de um filme para sempre, um guia útil para uma vida fútil, uma antologia ou mitologia pessoal, uma miscelânea pouco original, uma autoentrevista, um manual passo-a-passo de uma dança imóvel, um mistério a mais no mundo, um papel avulso, uma estranha obsessão, um crime sem castigo, uma adivinhação, um pássaro de uma perna só que foi ciscar e caiu, um suspiro, um minuto de silêncio.

QUEM FAZ

QUEM FAZ
Vitor Pamplona nasceu em Barreiras, interior da Bahia, em 1981. Em Salvador, fez faculdade de direito, mas formou-se em jornalismo. Vive em São Paulo.

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