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29.1.15   Crônicas sem castigo

A Barra é um farol




De passagem pelo Brasil, um viajante italiano favorecido pelo pretexto de visitar uma compatriota já meio brasiliana foi conhecer uma de nossas maiores cidades. Durante uma caminhada por uma das áreas mais nobres, provocou a velha amiga: — Esta cidade passou por uma guerra? Obviamente não havia guerra nenhuma e o viajante quis evitar não ser tomado por lunático: — Mas por que há tantas construções modificadas, ruas e calçadas novas, e por todo lado sinais de recente modernização? Na lógica europeia acostumada ao convívio de monumentos seculares, vias abertas há milênios e, no caso do visitante, às ruínas do Império Romano, não faz muito sentido a reconstrução deliberada do espaço urbano a não ser no caso de um eventual bombardeio.

A garota deslizando sobre patins e o corredor que agora mesmo passa absorvido pelo som dos fones de ouvido desfrutam da “nova” Barra provavelmente sem saber que Salvador foi mesmo bombardeada em 1912. A ironia, felizmente, é que um século depois a única artilharia tem sido aquela que evoca o miraculoso renascimento do bairro por meio de blocos pré-moldados, paralelepípedos e placas de concreto pelos quais a construção civil tenta traduzir uma ideia simples, que em Salvador tornou-se raridade: o convívio social em áreas públicas.

O magnetismo urbano exercido pelo pequeno trecho na extremidade da península da capital pode ser compreendido pela metáfora do Farol. A Barra é para a Cidade da Bahia o que a praça principal é para a cidadezinha do interior. A pedra fundamental da história de uma civilização, um símbolo visível de espaço coletivo compartilhado. O que respalda a profunda intervenção é a promessa de restaurar a civilidade perdida em um refúgio de pedestres hostil aos carros.

O argumento tem funcionado para muita gente. A propaganda oficial ressalta benfeitorias. Não se pode desprezar o efeito que a ideia de uma cidade mais justa pode ter na vida das pessoas. Mas, como sabem os viajantes italianos, demolir uma aparente velharia urbana sem lhe dar a oportunidade de sobreviver ao tempo pode ter efeitos colaterais imprevistos. Na “nova” Barra, é evidente o que a cidade ganhou. A questão fundamental é o que se perdeu.



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Sobre

Um blogue não é mais uma blague. De agora em diante é uma página assombrada, uma ilusão encontrada, um roteiro de um filme para sempre, um guia útil para uma vida fútil, uma antologia ou mitologia pessoal, uma miscelânea pouco original, uma autoentrevista, um manual passo-a-passo de uma dança imóvel, um mistério a mais no mundo, um papel avulso, uma estranha obsessão, um crime sem castigo, uma adivinhação, um pássaro de uma perna só que foi ciscar e caiu, um suspiro, um minuto de silêncio.

QUEM FAZ

QUEM FAZ
Vitor Pamplona nasceu em Barreiras, interior da Bahia, em 1981. Em Salvador, fez faculdade de direito, mas formou-se em jornalismo. Vive em São Paulo.

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