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15.12.14   Crônicas sem castigo

Era uma vez um dia


Tudo começou em um mês de dezembro ou talvez um teste de farmácia. Eu me lembro. Positivo, negativo, positivo. Aquela roupa ridícula no hospital. Era um brinquedo, era uma estória, era uma nuvem, era uma graça, era um mar de amor. Era uma vez um dia. Acorda papai. Bora tomar café. Acorda! Então me dá um beijo, dormiu bem? É. Bora tomar café. Mamãe vai trabalhar? Trabalho dela? Vai. Lá longe? Um pouco. Pouco pouquinho? Tchau mamãe. A espécie humana evolui da confiança ao desapego. Depois continua querendo cuidado. Colo papai.

Quer leite ou suco, torrada ou pão com manteiga? Bolacha. Não quer uma maçã? Não. Come uma banana. Essa banana? Não. Liga televisão. Quero assistir. Certo, mas só um pouco. Pouco pouquinho? Acabou, vem tomar banho. Pra escola é? Vem logo, comprei um xampu novo pra você. Foi você? Comprou xampu na loja? Comprei, mas se você demorar mais vou usar para dar banho nos gatos. Não!

O primeiro sorriso ensina a trocar fraldas e desfaz o mistério da simplicidade. Quero água! Depois a gente tem vontades. O que é, o que é? Tem boca, nariz, olhos, orelhas, pernas para chutar e braços para derrubar? Aí não pode! Pode não? Catapuft, pei, bum. Olha o que você fez! Eu falei! Não chora. Levanta a cabeça, deixa eu limpar o nariz. Meleca tem? Só um pouquinho.

Vamos passear. Na rua? E pensadores se preocupam em definir liberdade. Cachorro cachorro! Um, dois, três, quatro, cinco, sete. Só estou vendo três. É meu? Não, o dono deve ser aquele moço. Aquele ali? Olha flor! Uma, duas, três, quatro, dez.

Quer almoçar? Quero. Arroz, feijão, carne, ovo, frango, peixe. E salada? Salada não! Come uma banana, quer descascar? Ajuda papai. Agora põe um casaco, tá fazendo frio. Tá chovendo não? Não. Vai chover depois não? Talvez no fim da tarde. Tarde com mamãe? Colo papai.

Droga, não vai dormir? Conheço alguém que já devia estar na cama. Conta papai. História. Tá, vou contar: era uma vez uma minhoca que foi passear, depois voltou pra casa, comeu tudo, ficou muito cansada e foi dormir. Outra! Outra! Madrugada, um travesseiro foge dos teus braços. Deita papai. Deita aqui. Isso acaba, mas quando é que a gente cresce? Me avisa antes? Tá. Levanto devagar, sigo em frente, adivinho a hora, fecho os olhos. Acorda papai. Bora tomar café.

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Sobre

Um blogue não é mais uma blague. De agora em diante é uma página assombrada, uma ilusão encontrada, um roteiro de um filme para sempre, um guia útil para uma vida fútil, uma antologia ou mitologia pessoal, uma miscelânea pouco original, uma autoentrevista, um manual passo-a-passo de uma dança imóvel, um mistério a mais no mundo, um papel avulso, uma estranha obsessão, um crime sem castigo, uma adivinhação, um pássaro de uma perna só que foi ciscar e caiu, um suspiro, um minuto de silêncio.

QUEM FAZ

QUEM FAZ
Vitor Pamplona nasceu em Barreiras, interior da Bahia, em 1981. Em Salvador, fez faculdade de direito, mas formou-se em jornalismo. Vive em São Paulo.

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