
O fim da temporada de caça eleitoral, em que pai deserda filho, mulher engana marido e amigo não conhece amigo, merece um brinde. Há quem prefira manter distância da concorrência até os ânimos se apaziguarem, mas de minha parte eu prefiro champanhe. A partir de agora a paz volta a reinar entre os desiguais. Não pode haver ocasião melhor para irmãos apartados pela festa da democracia se sentarem à mesa e celebrarem o retorno às amenidades. Em sinal de boa vontade, resolvi propor aos amigos sem grandes falhas de caráter que a boa comida selasse de novo a união da água e do óleo.
Empecilhos de ordem física, química e aeroportuária, contudo, impedem banquetes para 400 talheres. Dona Nair, a maior cozinheira de maniçoba que o Recôncavo Baiano produziu em trezentos anos de mandiocas, me aconselhou uma saída: — Troquem receitas. É o que fazem vizinhos em sinal de boa vizinhança. Como um Cristo de avental, junto com a outra face decidi oferecer os mistérios da minha mundialmente famosa picanha na pressão, cujo ingrediente secreto é também ir ao forno.
Dona Nair, cujo livro de receitas só rivaliza em magnitude com seu enxerimento, quis logo saber se, em troca de um de seus maiores segredos culinários, eu não podia antecipar as instruções para o preparo da suculenta picanha. Respondi que não havia hipótese de cometer nenhuma ruindade. A ideia não era celebrar o fim das animosidades? Nair abaixou a voz do outro lado da linha: — Mas, meu filho, quando você for passar sua receita para os outros, dê um ingrediente trocado, exagere numa medida, faça o Diabo mas se certifique que a outra pessoa não vá acertar. É assim que eu faço para ninguém igualar minha maniçoba.
Fiquei abalado. Em tempos de bandeira branca, sabotar a boa vontade alheia. Nair nem tentou me consolar: — Meu filho, fique então com a sua boa vontade. Cada um que cuide do seu. É a sabedoria popular. Dona Nair tem razão. O país não recomeçou. Só voltamos à pax brasiliana. O perfeito cozinheiro das almas deste mundo não tem chance enquanto durar esta tenebrosa luta sem classe. Os índios primitivos devoravam seus inimigos para assimilar qualidades. O moderno brasileiro seguirá apenas levando vantagem.
Dona Nair, cujo livro de receitas só rivaliza em magnitude com seu enxerimento, quis logo saber se, em troca de um de seus maiores segredos culinários, eu não podia antecipar as instruções para o preparo da suculenta picanha. Respondi que não havia hipótese de cometer nenhuma ruindade. A ideia não era celebrar o fim das animosidades? Nair abaixou a voz do outro lado da linha: — Mas, meu filho, quando você for passar sua receita para os outros, dê um ingrediente trocado, exagere numa medida, faça o Diabo mas se certifique que a outra pessoa não vá acertar. É assim que eu faço para ninguém igualar minha maniçoba.
Fiquei abalado. Em tempos de bandeira branca, sabotar a boa vontade alheia. Nair nem tentou me consolar: — Meu filho, fique então com a sua boa vontade. Cada um que cuide do seu. É a sabedoria popular. Dona Nair tem razão. O país não recomeçou. Só voltamos à pax brasiliana. O perfeito cozinheiro das almas deste mundo não tem chance enquanto durar esta tenebrosa luta sem classe. Os índios primitivos devoravam seus inimigos para assimilar qualidades. O moderno brasileiro seguirá apenas levando vantagem.
Comente: