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24.1.11   Notas musicais

A ‘obra aberta’ de Chico Buarque: vendo e lendo interpretações


Leia o livro, veja o filme, ouça o disco. A máxima marqueteira dos fabricantes de franquias da indústria cultural capturou a obra musical de Chico Buarque. Com acréscimo de um imperativo: veja a minissérie.


Depois do lançamento, ano passado, de Essa história está diferente, coletânea de contos inspirados em canções do compositor, foi exibida semana passada pela Rede Globo a série Amor em 4 Atos. Na tela, quatro episódios traduziram cinco músicas de Chico para nossa edulcorada teledramaturgia.


A culpa é do produtor Rodrigo Teixeira, que deu ao cinema brasileiro O Cheiro do Ralo e O Casamento de Romeu e Julieta, e à nossa literatura a série Amores Expressos, polêmico projeto que mandou 17 escritores tupiniquins escreverem histórias de amor ao redor do mundo. Em parceria com o editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, Teixeira convenceu Chico a vender os direitos de suas canções para um projeto multimídia que inclui, além do livro e da minissérie, o filme Olhos nos Olhos, que estreia este ano com direção de Karim Aïnouz.


Era justo esperar que as adaptações televisivas, por compartilharem o mentor ideológico, aproveitassem o bom material do livro. Mas a aposta em roteiros originais resultou, no primeiro dia, num curta-metragem pós-Malhação e, no segundo, num novelão superficial e choroso. Ressalva: mais bela, sexy e com menos roupa, Marjorie Estiano segurou o ibope.

Foi preciso o olhar de um profissional de cinema, o diretor Bruno Barreto, para evitar que a música oferecesse só enredo e trilha sonora. Nos dois últimos episódios havia certa atmosfera buarquiana, com planos mais longos, silêncios, vida amorosa. 


Ainda assim, na TV as versões de Folhetim e As Vitrines foram previsíveis, o que os contos de Essa história está diferente fazem questão de não ser.

A boa educação recomenda não comparar livro com filme (ou série de TV): uma coisa é a linguagem literária, outra a audiovisual. Por isso, ao invés de falar em adaptação, prefiro a ideia de interpretação. A canção, enquanto gênero, é bom exemplo de ‘obra aberta’. O sentido muda até com o contexto em que se ouve. Associada ao amor romântico, a cultura popular ouve nas músicas de Chico Buarque a declaração de um amante convencional, masculino ou feminino. Diferente da TV, que não escapou a esse hábito, na prosa sobra imaginação.

Se, na minissérie, Ela Faz Cinema dá origem à história de amor de um operário (de Construção) e uma cineasta, no conto do argentino Alan Pauls há o vínculo de um pai com a filha adolescente – a música fala de um homem inseguro em relação a uma mulher. Qualquer mulher, infere Pauls. A versão de Carola Saavedra para Mil Perdões, ao contrário das traições baratas da TV, traz um casal que discute e desconfia a partir de suspeitas jamais confirmadas. E, em escrita teatral, há versões distintas caso o traído seja homem ou mulher.

Outro exemplo é o triângulo amoroso que Xico Sá tirou de Folhetim. Um narrador com amnésia, fissurado numa “mulher de todos”, abre a porta de botecos para Flaubert e Machado de Assis. Insuperável mesmo é a história de amor entre dois homens, iniciada numa galeria, que João Gilberto Noll entrevê em As Vitrines. Chico Buarque para gays faz a televisão parecer um conto de fadas para criancinhas.



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Um blogue não é mais uma blague. De agora em diante é uma página assombrada, uma ilusão encontrada, um roteiro de um filme para sempre, um guia útil para uma vida fútil, uma antologia ou mitologia pessoal, uma miscelânea pouco original, uma autoentrevista, um manual passo-a-passo de uma dança imóvel, um mistério a mais no mundo, um papel avulso, uma estranha obsessão, um crime sem castigo, uma adivinhação, um pássaro de uma perna só que foi ciscar e caiu, um suspiro, um minuto de silêncio.

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Vitor Pamplona nasceu em Barreiras, interior da Bahia, em 1981. Em Salvador, fez faculdade de direito, mas formou-se em jornalismo. Vive em São Paulo.

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