A obsessão da invenção
A Hora Prima perdeu a vergonha e abaixou as calças. O famigerado veículo, quem diria, agora pauta o jornal dos Simões, mais conhecido como ex-vespertino da praça Castro Alves. Segue o release.
Exceto para o jornalista que proclamou as lamúrias do diretor do “Acoppolacalipse” como se fossem notícia de última hora, quando as reflexões coppolianas invadiram a blogosfera – é preciso popularizar esta palavra – há cerca de um ano, a convivência entre os homens e as assombrações do processo criativo não tem nada de destemperada.
Sem querer recorrer ao alento de Paulo Francis - “A humildade é o último recurso do fracassado” – por respeito à biografia e aos vinhos do pai de Sofia, cabe ao biógrafo da arte contemporânea reservar um capítulo para o crônico tema da busca pela juventude perdida. Afinal, não se fazem heróis cinquentões tampouco gênios a caminho do geriatra.
É razoável supor que, ao longo dos anos, o valor das idéias varie a depender das circunstâncias. Não faz sentido repetir-se a si mesmo e repetir os outros, conscientemente, é prova de desonestidade. Mas as idéias não precisam ser necessariamente novas para serem boas. Ao contrário, variações sobre o mesmo tema são fator de distinção. E submeter-se ao fetiche da eterna novidade é o caminho mais rápido para o túmulo.
Esta não é uma conclusão pós-moderna, retirada de tratados sobre a multiplicidade do olhar na estética da contemporaneidade. Muito antes de teóricos hippies se divertirem tentando fundir a cuca incauta de leitores inebriados, gente menos atormentada preferiu, ainda que sem saber, seguir o conselho de Faulkner em Palmeiras Selvagens e ter a coragem para sobreviver na luta.
Ora, se a verdade do escritor veterano correspondesse aos resquícios das primeiras linhas, Machado de Assis seria lembrado como crítico teatral. Se o ímpeto da juventude fosse de fato decisivo para o dramaturgo consagrado, Nelson Rodrigues não teria silenciado o coro formado por seus jovens críticos com um simples “envelheçam”. Caso a idade estivesse de alguma forma vinculada à criatividade, Clint Eastwood, para citar um caso evidente dos nossos dias, não teria realizado os seus melhores filmes depois dos 70 anos. A conclusão é de uma obviedade de ruborizar os detratores das incontestáveis máximas do futebol: o jogo, não raro fique modorrento ou pareça fava contada, só termina quando acaba. E não há nada mais emocionante do que a última volta do ponteiro.
Contra o tempo de maturação há, porém, as exigências pessoais. Diante da seda rasgada dos elogios prodigiosos, superegos colossais crescem em questão de segundos. Um jovem talento premiado, então, é o depositário de toneladas de betume despejadas na pavimentação do doce e lambuzado caminho da fama. Nessa Babel de suposta genialidade, a voz fanhosa mas serena de Chico Buarque, cujo grande mérito como artista é inventar formas da “arrastar a tradição”, constata:
- Ela faz cinema, ela é demais.
Mas não só de neuroses pessoais se faz um inconsciente coletivo. A obsessão pela reinvenção da roda é muito mais que uma afinidade eletiva. É compreensível que seja objeto de distração enquanto durar o frescor do arrebatamento juvenil. À primeira dobra da espinha dorsal, porém, é recomendável empregar as energias em busca de um pneu melhor.
4 comentários
Ei, Pamplona, citei esse texto recentemente, num texto do blog lá. Parabéns, rumo à chefia de reportagem!
ReplyDe qualquer jeito, ano que vem tem filme novo de Coppola. Na torcida.
Ahrammm, hein.
ReplyRelease, sei...
Rpz, tu tá inspirado ultimamente.
ReplyMuito bom o texto. Só não é melhor do que sua matéria do On Line sobre o candidato Hilton Coelho.
Abraços
Concordo plenamente com o texto!
ReplyEstamos falando sobre o quê mesmo?