A revolução dos insones
Filho mais encantador dos movimentos artísticos que brotaram no alvorecer do século passado, o surrealismo foi fruto de uma época incomum para as artes em geral, de movimentação e remodelamento cultural inigualáveis. Impetuoso, resolveu servir de modelo perfeito para a máxima freudiana que atribuiu à arte a função de profecia. De fato, os surrealistas não foram simples inovadores na forma e no tema. Seu legado ultrapassa o âmbito das artes, constituindo o que poderia ser chamado de verdadeira função social da criação artística, capaz de ultrapassar suas preocupações peculiares para elaborar uma visão de mundo que alcança as raízes da existência.
A angústia que precedeu o levante anárquico da investigação psíquica típico da surrealidade era o acúmulo das convicções academicistas e do racionalismo puro. A ciência havia deposto o misticismo religioso do trono da verdade e exercia a ditadura do conhecimento, que sem sua chancela era heresia. O estado de coisas a que o progresso científico havia levado o homem reduziu-o ao regime de escravidão pelo pensamento lógico, comprovável, teorizável e burocrático. Muito embora o positivismo científico tenha oferecido ao homem maior apreensão dos fenômenos que o cercavam, mantinha-no preso na condição de escravo do paupável, do concreto e do real.
Desligado que estava do atributo primeiro de pensar de forma verdadeiramente livre e entrar em contato com suas questões fundamentais, tratou o homem do alvorecer do século passado de desmistificar o pensamento racional. Relembrou dos sonhos que havia tido um dia e utilizou sua mais impressionante invenção, a produção de conhecimento, para descobrir o porquê da sua insatisfação. Inventou a psicanálise e com ela desbravou a imensidão de suas angústias e de suas obsessões. Descobriu um mundo interior a ser percorrido, o mundo dos sonhos e das sombras, um mundo que era tão seu e que ele mal sabia que existia. Sonho e realidade foram pela primeira vez postos em condições de igualdade e o pensamento pôde fluir desacorrentado e desinteressado, de forma automática, livre e despreocupado. E o homem descobriu que havia vida em outro lugar.
Deu-se então o conflito inevitável entre o velho e novo mundo, entre o seu lado diurno e seu lado noturno e, graças ao saber que ele havia acumulado em anos de devoção à ciência, que lhe deu o materialismo dialético, soube enxergar no conflito a revelação de sua natureza dual. E se aventurou a encontrar uma verdade mais sua na realidade superior que lhe era mais sedutora.
Seduzido, não pôde seguir outro caminho que não o da constatação de suas misérias, logo reveladas pela contradição existencial a que se filiou. O mundo concreto, palpável, real, era feito de muito mais sonhos do que ele antes supunha. Em contrapartida, seus sonhos foram assumindo aspectos cada vez mais tangíveis. E ele soube o quanto havia acreditado em ilusões materiais, desprezando a materialidade de suas fantasias.
8 comentários
Tá dando uma de Ronaldo é? Só falta um texto de Maneirismo.
ReplyPegou pesado...
ReplyAconselho os responsáveis por este auto-denominado "periódico" a contratar os serviços do Laboratório de Análises Clínicas Rio das Tripas. Colocaram alguma coisa na água da Redação.
ReplyQuem mandou confiar em Bahia Azul?
ReplyGrato pela menção ao meu nome.
ReplyPrezado leitor mnemônico,
ReplyA publicação de textos em Hora Prima segue estritamente a linha editorial recentemente adotada pelo Conselho Editorial, qual seja, a "prática de causar divergências ou dissensões dentro de um grupo ou instituição", na pena do filho filólogo de seu Habib Assad Houaiss e dona Malvina Farjalla Houaiss.
Hora Prima não se responsabiliza pelas consequências, para o amigo leitor, das idéias aqui veiculadas.
Êta, home brabo!
ReplyBrincadeira. Nem tinha lido o texto. Ficou bonito, o final.
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